2. Avaria no deserto

Share to Facebook Share to Twitter Share to Linkedin Stumble It Share to Google Buzz Share to Orkut Mais...
Vivi, portanto só, sem amigo com quem pudesse realmente conversar, até o dia, cerca de seis anos atrás, em que tive uma pane no deserto do Saara. Alguma coisa se quebrara no motor. E como não tinha comigo mecânico ou passageiro, preparei-me para empreender sozinho o difícil conserto. Era, para mim, questão de vida ou de morte. Só dava para oito dias a água que eu tinha.
Na primeira noite adormeci pois sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Estava mais isolado que o náufrago numa tábua, perdido no meio do mar. Imaginem então a minha surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou. Dizia:
- Por favor... desenha-me um carneiro!
- Hem!
- Desenha-me um carneiro...
Pus-me de pé, como atingido por um raio. Esfreguei os olhos. Olhei bem. E vi um pedacinho de gente inteiramente extraordinário, que me considerava com gravidade.
Eis o melhor retrato que, mais tarde, consegui fazer dele.




Meu desenho é, seguramente, muito menos sedutor que o modelo. Não tenho culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, da minha carreira de pintor, e só aprendera a desenhar jibóias abertas e fechadas.
Olhava pois essa aparição com olhos redondos de espanto. Não esqueçam que eu me achava a mil milhas de qualquer terra habitada. Ora, o meu homenzinho não me parecia nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. Não tinha absolutamente a aparência de uma criança perdida no deserto, a mil milhas da região habitada. Quando pude enfim articular palavra, perguntei-lhe:
- Mas... que fazes aqui?
E ele repetiu-me então, brandamente, como uma coisa muito séria:
- Por favor... desenha-me um carneiro ...
Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta.
Mas lembrei-me, então, que eu havia estudado de preferência geografia, história, cálculo e gramática, e disse ao garoto (com um pouco de mau humor) que eu não sabia desenhar. Respondeu-me:
- Não tem importância. Desenha-me um carneiro.
Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois únicos desenhos que sabia. O da jibóia fechada. E fiquei estupefato de ouvir o garoto replicar:
- Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é dum carneiro. Desenha-me um carneiro.Então eu desenhei.





Olhou atentamente, e disse:
- Não! Esse já está muito doente. Desenha outro.
Desenhei de novo.







Meu amigo sorriu com indulgência:
- Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os chifres...
Fiz mais uma vez o desenho.







Mas ele foi recusado como os precedentes:
- Este aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito.
Então, perdendo a paciência, como tinha pressa de desmontar o motor, rabisquei o desenho ao lado.
E arrisquei:- Esta é a caixa. O carneiro está dentro.







Mas fiquei surpreso de ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:
- Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?
- Por quê?
- Porque é muito pequeno onde eu moro...
- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!
Inclinou a cabeça sobre o desenho:
- Não é tão pequeno assim... Olha! Adormeceu...
E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno príncipe.


Acompanhe:
Início. A Léon Werth
1. Histórias Vividas
2. Avaria no deserto
3. O Pequeno Príncipe
4. Asteróide B 612
5. Carneiros e baobás
6. Deitar de sol
7. Carneiros e flores
8. Uma rosa miraculosa
9. Adeus
10. Viagens
11. O planeta do vaidoso
12. O planeta do bebedor
13. O planeta do businessman
14. O planeta do acendedor de lampiões
15. O planeta do geógrafo
16. O planeta Terra
17. A serpente
18. Uma flor
19. Elevada montanha
20. As rosas
21. A raposa
22. O guarda-chaves
23. O vendedor
24. Um amigo
25. O poço
26. A serpente
27. A estrela



0 comentários:

Postar um comentário

"Aprender é sempre uma aventura excitante e espera-se que o professor seja o primeiro entusiasta do seu trabalho mediador. Quem ama o que faz acaba inventando uma maneira de contagiar outros com o seu amor". (Isabel Parolin)

:a   :b   :c   :d   :e   :f   :g   :h   :i   :j   :k   :l   :m   :n   :o   :p

BBC Brasil